Faz tempo que não venho ao encontro das palavras. Desaprendi
a deixar os dedilhados falarem por si. Perdi as contas de quantas vezes fui ao
teclado, e mais ainda das que pensei em ir. Tenho andado descompensada.
Perdida. Perdi o rumo e deixei cair o prumo em uma solidão que vai além do que
a alma revela. Cansei de chegar ao porto e desistir de esperar pela Lua, assim
como cheguei aos bares e tive ânsia de fugir ao despertar dos próximos dez
minutos. Caí em todos os tombos, e me remediei quando quis chegar ao sono.
Já desisti de fazer história, ou de contar sobre a vida (des)interessante
daqueles que estão na volta. Colecionei milhares de cartas sem destinatários, e
roubei partes das que entreguei – só para me auto afirmar. Calei a consciência
que sempre deitou tranquila, destemida pela boca que disse mais do que os pares
de ouvidos gostariam de escutar. E foi nesse trajeto de concertos poéticos que
se esbarraram em acordes que expressei a canção que ainda não tinha escutado na
antiga agulha.
Tentei soprar umas quantas verdades, mas em todas elas – ou pelo
menos em sua maioria – o sopro vinha ao meu encontro, me fazendo engolir cada
sílaba bem ditada pela ordem da ética. E por mais que eu considerasse que
estava na curva certa, vi que o correto nem sempre mora em nossa caixa de
madeira da sala, que teimosamente chamamos de lembrança.
Das saudades criei o verbo e entornei uns goles mais do que
devia daquele frisante com sabor de abacaxi do tang. Queimei os tocos do chão e
percebi que estava sozinha, mesmo que acreditasse que isso era impossível.
Arranquei a gargantilha da fé, mas me peguei rezando por dentro e entrando cada
vez mais naquela vala do medo. Deixei os ruídos no espaço de tempo que teimava
em passar ligeiramente, enquanto eu sufocava uma tristeza que não sabia de onde
vinha.
Transpareci nos ombros doloridos a rigidez de uma noite mal
dormida, e encarei no reflexo as marcas de uma dor sem nome, sobrenome e
endereço. Voltei ao sol depois de perder o fenômeno lunar que só se repetirá em
vinte anos, e temi esquecer daquilo que me deixa viva após cada segundo
respirado.
Não, não achei que era o fim de qualquer coisa. Nem o meu.
Só fiquei entre aquilo que conhecemos por torpe, e me permiti vacilar para
solicitar um pedido formal de desculpas aos ouvintes natos da noite.
Não creio, também, que a loucura seja passageira, nem que
ela escolhe em que porta bater. Ela chega, entra, abastece os batimentos
cardíacos, eleva a ansiedade e cai por terra quando um abraço te aperta e faz o
sangue pulsar mais intensamente. Mas ela está aqui, aí, e em toda parte. Ela
nasce de uma perda, ou de um quase ganho. Fica no lugar do dinheiro mal
empregado, e das posses perdidas em um ensaio. Ela te arranca da cama, mas
também dos bares, e te derruba na esquina com um copo de cachaça barata – ou de
qualquer coisa que te faça acreditar que ela já foi. Mas ela não vai. Ela
permanece isolada das vistas, tão nítida quanto a fé dos descrentes, e cresce
na veia de um fogo que queima no estômago quando se menciona o amor.
Dizem que os loucos são os felizes, mas felizes são os que
ainda conseguem admitir a loucura. E por mais que você zombe da minha, um dia
ela te faz prisioneiro de si mesma. A loucura é a única ausência que não te
deixa só.
A luz do teclado invade o quarto pálido e úmido, mas
continua clamando por algo que faça a diferença e que tenha valoração para ser
lido. Mas o que eu entenderia disso, não é mesmo?! Como eu saberia o que os
outros gostariam de ler, se eu mal sei o que ao certo preciso escrever...
Talvez seja exatamente por isso que aquela orelha do livro foi a única parte
dele que se tornou real. E ao contrário da minha assinatura nas prateleiras da
livraria, o que fica de mim é a loucura de ainda escrever assim. Sem pé ou
cabeça, mas com alma.