terça-feira, 12 de julho de 2011

O que há na velhice?

(Referente ao próximo texto)
O melhor texto não é aquele que enfeita a realidade com palavras bonitas, mas o que foi capaz de descrever uma vida.
Pode ser que eu deixe dúvidas, erros, mas não generalizo, falo de alguns casos, os mesmos que alguém deve reconhecer...


  As fotos nas estantes guardam mais que lembranças já quase esquecidas, semeiam o amarelo nas marcas do tempo. Como rastro aguçado do que ficou lá atrás, as vozes confundem histórias e fantasias. Em laços debruçados na esperança do que ainda vem, a velhice estaciona ao lado das camas solitárias.

  Quase que sem querer, o perfume amargo que embaça os cantos, com o bater dos minutos, se isola da tristeza que separa a perdida mocidade, e em sonetos esquecidos, se esquece também a gratidão.
  Com uma mala antiga, poucas roupas, alguns bibelôs, eles são expulso de seus lares. Deixam nas costas tudo que construíram, até mesmo os sonhos que deixaram de realizar. Esquecem seus sorrisos.
  E nas pegadas ocultas dos seu caminhar, ficam marcas da desilusão, daqueles que, obrigados, buscam um repouso.
  São deixados, eles e suas rugas, marcas da idade, em casas que não lhes pertencem; com pessoas que desconhecem; em quartos sem lembranças. Perdem o direito de optar, de querer, de desejar. Perdem o sentido do que é amar.
  Seus olhos de uma vida profunda trazem resquícios de lutas e conquistas; demonstram a agonia do incerto futuro. Eles que tão perto da eternidade estão, são postos a viver sob o sigilo dos corredores seguros do asilo, casas que lhes dão abrigo.
  O difícil é aceitar a inusitada verdade que assombra esses pais, avós, bisavôs, a realidade de que foram largados, abandonados. Muitos (a maioria) engolem como uma aspirina empurrada por um copo d'agua, a fria confissão de que ali estão para o seu melhor. É bom mesmo que seus ouvidos estejam cruelmente tapados para o que acontece em real: eles já não possuem lugar aqui fora. São excluídos de suas vidas para viverem da bondade e da caridade dos colaboradores. Os moradores dos asilos são tomados do direito de viver. Cercam-se de solidão em meio à multidão. Alguns se mascaram com a loucura que o tempo lhes impôs.
  Talvez os sorrisos mais sinceros que seus velhos corações possam dar, são aqueles que encaram os retratos da família, mostras de que os netos estão ficando grandes.
  Os residentes da terceira idade, os que beiram a meta de viver mais de 80 anos, conhecem os odores da vida. Sentem a alegria de ver um novo Ser vir ao mundo; E a pior dor de perder quem tem ao lado para o que resta depois da dela.
  Suas existências são fios de nylon, que se esticam quando há vontade, mas que o mais ligeiro vento derruba e, por diversas vezes, rompe.
  Se você, independente da idade que hoje tiver, lhe permitir conhecer um asilo, assim o faça. Você verá expressões de tristeza se embalarem em sorrisos, em esperança. Eles não querem seu dinheiro, nessa altura do campeonato, já não procuram se apoderar de nada; Eu só não posso lhe garantir que você não irá se emocionar. Ouvirá histórias, verá euforia, sentirá toda e qualquer curiosidade. Eles procurarão chegar perto para saber se você não é aquela filha que há um mês adia a visita; ou o filho que havia tido outra reunião e delongou o dia de ir buscá-lo; quem sabe o neto que está em período de provas e há três meses ficou de ir contar uma estória, aquela que a senhora, hoje no asilo, lhe contava quando era pequenino. E não me culpe se você sair de lá com metade da alma feliz e a outra metade em pedaços.
  Quando você estiver no portão de saída, lembre-se de olhar para trás, eles estarão ainda lhe encarando e questionando: "Por que eu ainda estou aqui?"
  E então ficam lá, contando as horas que fazem o espaço entre uma refeição e outra, caminhando em torno das árvores que dão sombra ao pátio, sentados nos bancos, trocando dialetos que talvez nós não entendamos.
  Os enfermeiros controlam seu tempo, remédio, agasalho, mas não comprimem a dor de estarem longe do tapete que fica abaixo do abajur do antigo quarto. E os segundos arrastam-se devagar, agarrados aos pesos da monotonia; Eles desacreditados do amor; e elas, ainda com paixão, sentem o coração que agora bate com cuidado.
  Ficam lembranças nas suas inteligentes conversas sobre o passado, tempos de uma mocidade que um era coberta de beleza e recheada de coragem.

  E o que resta pelo caminho deixado pelos anos que se arrastam até esse inconstante presente, é a saudade, ferida incurável, que nem o alzheimer apaga, dos melhores momentos que a vida deixou.

Um comentário:

  1. Lindo texto Jéssica, tuas palavras realmente tocam a alma. Abraço essa causa, que é tão minha quanto tua, que deveria ser de todos, pois todos um dia chegaremos a essa idade que realmente é apagada pela sociedade.

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