domingo, 27 de fevereiro de 2011

Assalto

Hoje em dia eu não vou tranquila para a parada do ônibus às 8h10', parada esta que fica na mesma quadra do meu apartamento;
Depois da meia noite não ando a pé nas ruas, nem com meu namorado, nem irmão.
Não fico na frente de casa esperando o lanche chegar de tele, não fico nem dentro só com a porta aberta.
Sempre que chego no apartamento, reviso todas as peças, inclusive em baixo das camas;
Não posso ouvir barulho de bicicleta em minhas costas que tremo do fio de cabelo ao dedão do pé;
Não posso mais ser assustada pois isso me causa sérias palpitações, me deixando com o coração na boca e em estado de nervos fora do normal; por vezes choro;
Qualquer barulho que eu ouvir, pode ser de tarde ou de noite, se eu estiver sozinha em casa, eu já acredito que alguém esteja dentro de minha casa;
Para simplificar, eu vivo com medo.
Medo? Pânico? Loucura? Necessidade de tratamento psiquiátrico?
Cada um já deu o seu diagnóstico para esse meu problema. Eu chamo de trauma.
Talvez por idiotice, pode ser também por imaturidade, eu sai com mais duas amigas de uma festa lotada que se situava perto de minha casa. Eram mais ou menos 03h30'... eu e uma delas deixamos a terceira na esquina de casa e seguimos nosso rumo, tínhamos ainda pela frente 4 quadras, nesta 4ª era a do meu apartamento. Eu tive receio, como qualquer um teria, porém não medo. Quando cheguei na metade da 3ª quadra, em frente da Universidade, onde existem 2 guardas noturnos, e no outro lado cheio de casas, eu ouvi um 'larga a bolsa'. Ao mesmo tempo ela foi puxada. Por instinto eu segurei forte. Minha amiga achou que era brincadeira, depois disso entrou em estado de choque e ficou sem reação. Ele caiu da bicicleta e isso o irritou; cai também. Senti o peso de seus pés em meus braços e pernas e a cabeça batendo fortemente no chão. Lembro de gritar tão alto que mesmo nervosa eu conseguia sentir o tom de minha voz se elevando a cada fração de segundo. NINGUÉM apareceu. Eu estava fora do ar, eu pedia inconscientemente para ele largar a minha bolsa. Eu pedia pelo amor de Deus. Essa bolsa tinha um sentimento especial, ganhei de uma pessoa muito querida e fazia apenas 1 mês que estava comigo. Mas não foi só isso que eu senti na hora. Foi pensar 'tem 35 reais ali dentro que eu não gastei na festa para usar depois'. Que pecado, eu trabalhei para ganhar os 35 reais, e o ladrão conseguiu facilmente: me batendo. Injusto não? Quando ele parou de me bater, sim minha amiga conseguiu reagir e pulou em suas costas, eu nem lembro como me levantei, eu não sentia nem dor. Ele saiu correndo, esqueceu a bicicleta e quando atravessou a rua voltou para buscar. O chinelo continuou onde estava, esse ele não pegou. Ele não usava máscara, ele não usava boné. Ele tinha uma bicicleta verde; rosto de cor parda; cabelos compridos; camisetão; bermudão. é só o que eu lembro. Corri o mais rápido que pude. Eu tinha medo de ser assaltada novamente naquela meia quadra que restava. Depois minha mãe demorou para atender o interfone. Meu medo começou novamente: como contar para meu pai que eu fui uma irresponsável? Sim a culpa era minha, fato! Fui até o quarto e contei, ele me abraçou e sentiu ódio do cara. No quarto eu notei que já tinham roxos nos braços e na perna. Vi também que meu pé sangrava muito. Passei a noite com dor. Dormi dois dias no quarto de meus pais e depois fui para uma cidade aqui perto, casa de meus avós, onde não dormi sozinha nenhum dia.
Já fez um ano e eu ainda estou assim, traumatizada. Marcada.
A questão é que já houveram pessoas que passaram por situações muito piores do que essa minha; pessoas já morreram assim; eu to aqui, levei uns pontapés mas estou aqui. Minha única sequela é o medo constante. E mesmo assim, mesmo com casos diários nos jornais, em todos, nada ocorre. Nada muda. Cada dia mais um caso, cada dia mais um ferido. Milhares de Jéssicas sendo assaltadas, violentadas, assassinadas diariamente. E o que acontece aqui? Conversam sobre o aumento de salário mínimo. Discutem sobre o estacionamento rotativo pago. Falam sobre qual político roubou mais. Divulgam as fotos das patricinhas nos jornais junto com seus boys que nada fazem. Usam páginas e mais páginas para tratar de beleza, para anúncios de carros e roupas, mas, e a preocupação com o banditismo?
Por tudo que há de mais sagrado, eu morro de medo de andar nas ruas de Bagé, uma cidade pequena. Tenho medo de sair de manhã, pois uma senhora foi assaltada 1h antes de eu sair de casa na minha rua. Tenho medo de ir pra faculdade, pois no horário da minha aula que é as 19h, uma lancheria que fica no meu caminho foi assaltada. Tenho medo de sair a noite, pois voltando de uma festa fui assaltada.
Essa é a nossa realidade.
Na hora de pedir votos, os políticos imploram, prometem... aí nós votamos... eu votei...
E sigo com medo, sigo com meu pânico.
Será que eu vou ter que ir numa psiquiatra para me tratar desse meu problema? Vou gastar mais dinheiro para me curar de um problema que a maior parte da população possui, o medo de andar pelas ruas da própria cidade.
São ladrões comuns, os que andam a pé. Os atletas, que andam de bicicleta. Os motorizados, que andam de moto. Os espertinhos, que assaltam casas...
São tantos, de tantas modalidades, que dava até para fazer um concurso de quem assalta mais.
É ridículo fazer piada com algo tão sério, mas os governantes estão achando que nossa vida é uma piada.
Os inteligentes, os cultos, os ricos, os do poder... esses que mandam e desmandam nas universidades, cidades, e tudo mais, qual é o motivo deles não organizarem um policiamento sério, que cuide nossa população, que desvie o perigo das pessoas?!
É tão triste ter que escrever sobre esse assunto, tão triste ter que escrever algo assim, eu sendo tão leiga no assunto. Mas eu estava extremamente angustiada que meu namorado saiu aqui de casa e foi para a dele. Sim, eu tenho medo pelas outras pessoas também. Eu as amo e vou continuar zelando pela proteção delas.
O que não é certo é eu ter medo de ir trabalhar; medo de ir para a faculdade; viver presa em casa nos fins de semana por medo de andar numa rua qualquer.
Peço perdão caso eu tenha sido ríspida em minhas palavras. Peço também por alguma ofensa que eu tenha causado.
Só que ninguém me pede perdão por eu ter o trauma que tenho. o ladrão? nunca mais vi... quantas ele já não assaltou... ele que tá bem... vive tranquilo, deve se dar com os outros assaltantes.
Meu nome é Jéssica Pacheco, estudante, estagiária, bailarina formada, 18 anos, tenho medo de assalto.

2 comentários:

  1. Não vejo que uma pessoa que provoca e faz mal aos outros viva tranquilamente. Quanto ao medo...acho que todos tem medo...inclusive este ladrão. O medo se apresenta de várias formas e isto depende do momento...agora não pode virar um trauma psicológico...o melhor é enfrentar a situação sabendo que em qualquer lugar pode acontecer alguma coisa e isto muito depende naquilo que mais pensamos.

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  2. Lembro desse episódio.. meu Deus que barra..
    Exatamente isso, descuido, descaso com os assuntos que realmente importam... faaz mt bem em expor teus medos... pq certamente esse meu medo não é só teu.

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